Milhares nas ruas obrigam Alckmin e Haddad a recuar

20/06/2013 - Folha de SP

Após jogo, torcedores assistem ao anúncio de redução de tarifas em SP (Eduardo Knapp/Folhapress)

Rio e outras 6 capitais também terão redução de passagem de ônibus; mobilização foi a maior desde queda de Collor

Após protestos que levaram centenas de milhares de pessoas às ruas do país, os governadores e prefeitos de São Paulo e do Rio cederam e decidiram reduzir as tarifas do transporte coletivo.

A decisão dos governadores Geraldo Alckmin (PSDB) e Sérgio Cabral (PMDB) e dos prefeitos Fernando Haddad (PT) e Eduardo Paes (PMDB) já se repetiu em diversas cidades nas últimas semanas, incluindo outras cinco capitais --Cuiabá, Recife, João Pessoa, Porto Alegre e Aracaju. Natal também irá anunciar redução da tarifa hoje.

As manifestações pelo Brasil reuniram mais de 215 mil pessoas só na última segunda --na maior mobilização desde a queda do presidente Fernando Collor, em 1992.

Em São Paulo, a redução das passagens de ônibus, metrô e trens, de R$ 3,20 para R$ 3, começa a valer na próxima segunda-feira --três semanas depois do reajuste.

No Rio, a queda das tarifas de R$ 2,95 para R$ 2,75 será válida a partir de amanhã.

As negociações envolveram governantes dos principais partidos do país (como PT, PSDB e PMDB), além da presidente Dilma Rousseff.

Alckmin e Haddad dizem que, com a decisão, terão que cortar investimentos --para aumentar as subvenções à tarifa, que, só para os ônibus, já consumiriam um recorde de R$ 1,25 bilhão este ano.

Eles estimam um gasto extra de R$ 385 milhões para os meses restantes de 2013 --R$ 210 milhões no Estado e R$ 175 milhões na prefeitura.

A pressão ganhou corpo com uma sequência de manifestações em São Paulo a partir do último dia 6. De lá para cá, houve seis grandes atos do Movimento Passe Livre, que interditaram vias importantes como avenida Paulista e marginal Pinheiros.

Apesar do teor pacífico da maioria dos manifestantes, eles acabaram com cenas de violência e pânico --como incêndios, pichações e saques.

A bandeira da tarifa zero, que originou os protestos, acabou incorporando diversas outras reivindicações.

No Rio, Eduardo Paes disse que esse impacto, estimado em R$ 200 milhões por ano, "terá que ser arcado pelo poder público". Afirmou que as prefeituras terão que pressionar o Congresso e o governo para repartir o custo.

O prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB), também deve apresentar hoje à Câmara um projeto de lei de isenção do ISS para baratear a passagem.

APERTANDO O CINTO

O anúncio feito em conjunto ontem em São Paulo por Alckmin e Haddad ocorreu na véspera de mais um ato do Passe Livre, marcado para as 17h de hoje, na av. Paulista.

No começo do ano, os dois haviam postergado a elevação das passagens, atendendo a pedido de Dilma para ajudar a conter a inflação.

Além da tarifa comum, a integrada (entre ônibus e trens e metrô) também cairá, de R$ 5 para R$ 4,65.

O rombo deve ser mais sentido por Haddad, que já enfrenta dificuldade em obter dinheiro para financiar suas promessas de campanha. Pela projeção da gestão, caso a tarifa fique congelada até 2016, o impacto será de R$ 2,6 bilhões --11% do necessário para seu plano de metas.

No caso do Estado, os R$ 210 milhões representam 6% dos investimentos do governo no Metrô, conforme o Orçamento de 2013. "Vamos arcar com os custos apertando o cinto", disse Alckmin.

GOL DA SELEÇÃO

A redução das passagens foi comemorada como um gol da seleção brasileira por 10 mil torcedores que, do Vale do Anhangabaú (centro), assistiram ao jogo do Brasil pela Copa das Confederações. O público havia vaiado antes, quando Alckmin e Haddad apareceram no telão da TV.

Alckmin declarou que a queda de R$ 0,20 na tarifa é um "sacrifício grande".

Destacou ainda a necessidade de São Paulo voltar à rotina depois dos protestos. "Queremos tranquilidade para que a cidade funcione, para que os temas legitimamente levantados possam ser debatidos com tranquilidade."

O tucano enfatizou também que cerca de dois terços da população não paga a tarifa completa --segundo ele, 38% têm vale-transporte subsidiado por empregadores, 10% têm gratuidade total (como idosos) e 12%, descontos.

Haddad disse que a prefeitura conversou não só com o Estado, mas com outros prefeitos de capitais, como o Rio.

"É um gesto de manutenção de espírito da democracia, de convívio pacífico que continuaremos a fazer com a cidade. E agora com mais responsabilidade, porque temos que explicar as consequências desse gesto para o futuro da cidade."

CAI A TARIFA - Quem vai pagar?

* APÓS CENTENAS DE MILHARES IREM ÀS RUAS, HADDAD E ALCKMIN REDUZEM TARIFAS DE ÔNIBUS, TRENS E METRÔ * CONTA SERÁ PAGA COM CORTE DE INVESTIMENTOS * GRUPO PROMETE MANTER PROTESTOS

Após 13 dias de protestos, que reuniram centenas de milhares de pessoas nas ruas de São Paulo em atos ora pacíficos ora violentos, o prefeito Fernando Haddad (PT) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) cederam à pressão e anunciaram a redução nas tarifas de ônibus, metrô e trens, de R$ 3,20 para R$ 3. O reajuste vigorava desde 2 de junho. O Rio e outras seis capitais também decidiram baixar as passagens.

A histórica redução vem acompanhada de duas perguntas. A primeira: a medida será capaz de conter a onda de manifestações pelo país? O Movimento Passe Livre, responsável pelos atos, afirma que os protestos continuarão, agora pela tarifa zero e por causas como a reforma agrária. Durante comemoração na avenida Paulista, o grupo confirmou manifestações que estão marcadas para hoje.

A segunda: quem pagará a conta? Segundo Haddad e Alckmin, que enfrentam problemas financeiros, o dinheiro virá do corte de investimentos. A conta será de cerca de R$ 385 milhões só em 2013. Isolado pelo governo federal, Haddad havia dito horas antes que reduzir a tarifa poderia ser "populismo".

Segundo a polícia de São Paulo, 14 dos 69 detidos anteontem por depredações e saques no centro têm passagem por roubo, furto ou tráfico de drogas. Ontem, protestos fecharam cinco rodovias do Estado. Em Fortaleza, houve confronto antes do jogo do Brasil contra o México, pela Copa das Confederações.

ANÁLISE

Recuo terá de ser compensado mais cedo ou mais tarde



A PROLIFERAÇÃO DE SUBSÍDIOS TORNA MAIS DIFÍCIL IDENTIFICAR PRIORIDADES


Se a redução das tarifas de transportes é "populista", como havia dito o prefeito Fernando Haddad antes de capitular à medida, o populismo tarifário não começou agora.

Em janeiro, o governo federal já pedia a governadores e prefeitos --incluindo Geraldo Alckmin e Haddad-- que adiassem os reajustes de preços originalmente programados para o início do ano.

Na ocasião, o objetivo era conter a escalada da inflação e tentar evitar uma alta dos juros, dois motivos de desgaste político para o Palácio do Planalto que acabaram sendo apenas adiados.

Os governos municipais e estaduais cederam, a despeito do impacto nos orçamentos locais. E com prejuízo para a transparência tanto dos indicadores econômicos quanto das contas públicas.

Num país em que os governos seguem a tradição de intervir nos mais diferentes setores da economia e dos serviços públicos, é grande a tentação de manipular tarifas para atender à conveniência política imediata.

Não só custos são camuflados, mas também contradições: bem antes do transporte paulistano, o governo federal, controlador da Petrobras, já vinha postergando reajustes da gasolina --na prática, subsidiando o transporte particular e estimulando o uso de automóveis.

Outra providência foi promover a redução das tarifas de energia elétrica, mesmo com risco para os investimentos das empresas do setor.

Enquanto exibem benefícios visíveis como gasolina, luz, ônibus e metrô mais baratos, União, Estados e municípios diluem em estatísticas mais obscuras as contrapartidas de suas bondades.

Em todos os casos, há perdas para os orçamentos que, mais cedo ou, geralmente, mais tarde têm de ser compensadas, seja com redução de investimentos, seja com aumento de impostos.

A Petrobras, por exemplo, teve de atrasar, por falta de receita, obras prioritárias na área de infraestrutura, o que significa menos renda para a economia como um todo.

No conjunto, as manobras para encobrir a inflação resultaram em estímulo ao consumo e maior deficit nas contas públicas, o que, mais à frente, volta a alimentar a alta dos preços.

A proliferação de subsídios torna mais difícil identificar prioridades e delimitar os setores a serem atendidos.

A subvenção é praticamente consensual no transporte coletivo, mas disputa verbas com outros subvencionados como agricultura familiar, habitação popular, cultura, ensino superior e até empresários que tomam crédito nos bancos estatais.


Sem o costume de explicitar custos e consequências dos subsídios, a oferta, por parte dos governantes, acaba por criar mais demandas por parte da sociedade --tanto na forma de lobbies como na de manifestações de rua.

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