SP testa ônibus que 'fala' e flagra quem invade a faixa

14/09/2013 - Folha de SP

Sistema também permite identificar automóvel que utilizar corredor exclusivo de forma indevida


A Prefeitura de São Paulo começou a testar pelas ruas da cidade um modelo de ônibus tagarela e dedo-duro.

Desde meados de julho, 5 das 1.318 linhas da cidade foram equipadas com aparelhos inteligentes que oferecem novos serviços ao passageiro e também podem ajudar o poder público a operar o sistema.

Entre os equipamentos estão alto-falantes ao lado das portas que informam a linha e o destino final cada vez que o ônibus para no ponto.

Dentro do veículo, a voz (feminina e pré-gravada) informa a próxima parada, como no metrô. O objetivo é melhorar o uso do transporte público por deficientes visuais.

Também há letreiros internos com a hora certa e a próxima parada, internet wi-fi grátis e um conjunto de oito câmeras de segurança.

A linha com mais equipamentos é a 509M-10, que liga o Jardim Miriam (zona sul) ao terminal Princesa Isabel (centro), com 20 veículos. Só um deles, porém, já tem câmeras.

Outros aparelhos não são notados pelos passageiros, mas podem mudar a forma de operação do sistema --ou afetar até mesmo usuários de carro que desrespeitam as faixas exclusivas de ônibus.

Na frente do veículo há uma câmera com tecnologia OCR, de leitura automática de placas, capaz de flagrar a invasão desses corredores por outros veículos. Ou seja, é um tipo de "radar ambulante".

A ideia é usá-la para fiscalizar a invasão das faixas exclusivas --mas hoje ainda não está sendo adotada para multas porque depende de aval de outros órgãos de trânsito.

Os aparelhos são integrados a um computador de bordo e a um GPS, para envio e recebimento de dados de uma central. Por exemplo, os sensores nas portas que registram o entra e sai no ônibus.

"Hoje a gente sabe quantos passageiros andaram, mas não quantos estão neste momento dentro do ônibus. Com a operação controlada, dá pra saber quais ônibus estão lotados e enviar uma ordem ao motorista de não parar mais", diz Adauto Farias, diretor da SPTrans.

Essa comunicação com o condutor é feita por meio de um monitor, pelo qual ele também pode informar problemas no percurso, como alagamentos ou acidentes.

O objetivo do projeto é testar os equipamentos e verificar se eles resistem às condições de uso na capital. Caso sejam aprovados, a intenção é exigi-los das empresas dentro da nova licitação do sistema, que foi adiada para 2014.

Os aparelhos estão sendo fornecidos pelos próprios fabricantes, mas um conjunto completo pode custar até R$ 23 mil por veículo.

'Voz do além' em ônibus surpreende passageiros

Usuários aprovam veículos hi-tech testados, mas criticam superlotação

'É muito bom, dá para falar com a garagem direto. O que não muda é o trânsito', diz motorista de linha com tecnologia

Os ônibus hi-tech "falantes" que estão sendo testados pela Prefeitura de São Paulo são aprovados pelos passageiros, mas causam susto em quem está mais acostumado a ouvir a próxima parada apenas no metrô.

A auxiliar de limpeza Dinilza Marques, 39, diz ter ficado espantada quando escutou pela primeira vez a voz "de mulher do além" no ônibus, que usa todo dia.

"Tomei um susto, mas o cobrador me explicou o que era e hoje já acostumei", conta a passageira, que também elogia o fato de o sistema ajudar quem é de fora da cidade.

"Ontem mesmo apareceu uma gaúcha aqui que não conhecia nada. Ela me perguntou qual era o ponto do shopping Ibirapuera. Falei só pra ela ficar atenta. Quando a mulher' falou, a menina ficou abismada", relata, aos risos.

"Os passageiros ficam muito curiosos, acham chique andar no ônibus que fala. Para a gente é muito bom, dá para falar com a garagem direto, relatar qualquer problema. O que não muda é o trânsito mesmo", diz o motorista Evaldo Xavier.

Como ainda está em teste, não há indicação aos passageiros sobre a conexão wi-fi. Mas quem descobre e começa a usar também aprova.

"Tô usando pela primeira vez, é bem rápido. Deveria ter em todos os ônibus, mas só temos que ficar ligados, pois se ficar mexendo no celular toda hora fica mais fácil pro ladrão saber quem vai roubar", diz Rodney Alves, 35.

APERTADA

Apesar de aprovarem os diferenciais a bordo, passageiros e motoristas da linha 509M-10 reclamam que ela também sofre de um problema recorrente na cidade: a superlotação nos picos.

"De tarde ela vai bem até o Ibirapuera. De lá pra frente não cabe mais ninguém, vai todo mundo apertado", diz Everson Pace, 30.

Segundo funcionários, a linha é a mais rentável da Mobibrasil, pois transporta mais passageiros e faz quase todo o percurso por corredores e faixas exclusivas de ônibus.

A empresa foi a única fora da zona leste que recebeu conceito "ruim" na avaliação de qualidade da SPTrans no primeiro semestre deste ano.

RECARGA

Outro aparelho em teste é um novo modelo de validador, com tecnologia que permitirá a recarga de benefícios como o vale-transporte dentro dos coletivos.

"O passageiro encosta o cartão, o sistema checa se há algum crédito, carrega e depois cobra o valor da passagem, tudo em milissegundos", diz Adauto Farias, diretor da SPTrans.

O sistema pode ajudar a reduzir custos, pois hoje a empresa paga a outras pelo serviço de recarga.

ANÁLISE

Recurso ajuda, mas inclusão exige mudanças mais amplas

JAIRO MARQUES - COLUNISTA DA FOLHA


A impossibilidade de deslocamento com tranquilidade, viabilidade e segurança na cidade de São Paulo é um dos maiores impedimentos para que pessoas com deficiência consigam ser mais atuantes em sociedade.

Cadeirantes são os que protagonizam perrengues com maior frequência no convívio com o transporte público da cidade, mas cegos, surdos e familiares que conduzem seus parentes também padecem apertos no ir e vir.

Todos as tradicionais dificuldades do transporte, como a superlotação, a conservação ruim e a lentidão, têm efeitos dobrados em quem tem alguma deficiência.

Um "espacinho" para entrar não surge, o letreiro que informa as paradas nunca funciona e não há som de avisos aos cegos.

Uma linha de coletivos totalmente acessível ajuda e avança no debate, mas de nada valerá a pena se o planejamento urbano e a mentalidade das pessoas também não forem inclusivas.

É necessário mudar o comportamento do motorista que não para no ponto ao ver a moça de muletas, do marmanjo que não se cede o espaço reservado ao idoso e padronizar guias de calçada que não comportam a abertura da rampa do ônibus para embarque do cadeirante.

Também é fundamental encarar o desafio de levar o acesso para além de lugares "visados" e nada periféric